sábado, 21 de julho de 2012

O Vestido



    
      O Vestido de noiva estava lá, cuidadosamente colocado em cima da cama. Três gerações afirmaram o compromisso vitalício naquele traje. Por si só já era uma instituição. Não havia meios de fugir. Ela andava de um lado para o outro no quarto tentando encontrar uma maneira de esquecer as mangas bufantes, a renda antiga, o babado na gola, a pedraria já meio frouxa e o tom marfim que o branco original adquirira com os anos. O único pensamento que lhe ocorria era a memória do jantar de noivado, no qual recebera da mãe emocionada o vestido. Com direito a discurso longo mencionando as três mulheres que desfrutaram de longos matrimônios simbolizados no tão exaltado objeto de desejo de qualquer noiva romântica. Era o sonho da mãe vê-la usando o vestido que fora seu. 
         Não queria ser indelicada, mas a vida inteira tentara ser diferente. Cabelos curtos tingidos de vermelho vivo, lótus tatuada no ombro, tênis gasto e roupas inapropriadas para o gosto feminista. Era professora de teatro, amava o diferente, o dinâmico, a criatividade. Definitivamente aquela inspiração em forma de roupa digna de uma fã da Rainha Vitória não cairia bem. Acendeu o cigarro, tragou fundo e expirou lentamente. Era preciso decidir, faltava apenas uma hora para o casamento e ainda não estava pronta. O Pai nervoso já a esperava na sala. Não havia jeito, começou a se aprontar. Banho tomado, maquiagem feita, sapatos... E lá continuava ele. Estático e contemplativo. Desafiador. De tantos dilemas que já enfrentara este seria apenas mais um. Segurou-o como quem pega a primeira camiseta da pilha e vestiu. Em frente ao espelho, olhou cuidadosamente a figura que se tornara. Até que não estava mal. De uma maneira estranha sentiu-se confortável. Não faria mal seguir o exemplo de três mulheres felizes com suas escolhas. As razões que faziam vergonhosa seguir uma tradição ficaram tão pequenas que caberiam dentro de uma das pérolas que usava. Respirou fundo e saiu do quarto rumo ao grande dia. O pai chorou orgulhoso como esperado e seguiram à caminho da igreja. 
      Tudo naquele cenário era um grande clichê. Das flores aos saquinhos de arroz à serem jogados na saída. Segurou firme a mão do pai e caminhou para o altar, teve seu momento. Todos a olhavam e comentavam entre si, provavelmente elogiando a beleza da noiva. Mas a única coisa que lhe ocorria é que falavam do maldito vestido! Deveria tê-lo devolvido à caixa e ao baú de onde jamais deveria ter saído. Onde já se viu! Querer seguir o exemplo de três mulheres submissas que jamais se realizaram fora do casamento. Foi entregue ao noivo. Este extremamente pálido, tremia, suava. Provavelmente a roupa também lhe afligia. O padre pronunciou a grande pergunta. Ela respondeu com um sonoro: sim! A igreja se comovia. Quando perguntado, o noivo hesitou. Olhava para os lados como se buscasse saída. O minuto mais longo da história humana. Eu...eu...sinto muito! E correu o mais rápido que podia para longe dali, digno de um verdadeiro Forrest Gump. Após 5 segundos de perplexidade, ela sabia. Nenhum insulto fica sem punição. Nenhuma recusa seria perdoada. O passado cobra sua conta impiedosamente. Não tinha dúvida, vestido agourento, jamais deveria ter cedido aos apelos maternos. No dia seguinte, deu prioridade à cortar o mal pela raiz. Devolveu o vestido à mãe, com a condição de que jamais se tocasse no assunto. 
       Retomou a vida. Anos depois conheceu alguém, decidiu casar. Mas desta vez pegou a primeira camiseta da pilha, o tênis gasto, subiu na garupa da moto do noivo e foram ao cartório. Tudo dito e assinado, foram felizes pela vida. Moral da história? Na verdade nenhuma. Apenas o fato de que vestidos de noiva me deixam nervosa.

6 comentários:

  1. Vestidos de noiva também me deixam nervosa.
    Iuska =)

    ResponderExcluir
  2. Muito bom! Muito bom mesmo! Ah, e casei com um vestido bem diferente dos tradicionais...ui, me dá medo!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Também prefiro modelos menos formais. Minha mãe casou com um vestido simples e rosa-choque, sempre simpatizei com ele =)

      Excluir