O Vestido de noiva
estava lá, cuidadosamente colocado em cima da cama. Três gerações afirmaram o
compromisso vitalício naquele traje. Por si só já era uma instituição. Não
havia meios de fugir. Ela andava de um lado para o outro no quarto tentando
encontrar uma maneira de esquecer as mangas bufantes, a renda antiga, o babado
na gola, a pedraria já meio frouxa e o tom marfim que o branco original
adquirira com os anos. O único pensamento que lhe ocorria era a memória do
jantar de noivado, no qual recebera da mãe emocionada o vestido. Com direito a
discurso longo mencionando as três mulheres que desfrutaram de longos
matrimônios simbolizados no tão exaltado objeto de desejo de qualquer noiva
romântica. Era o sonho da mãe vê-la usando o vestido que fora seu.
Não queria ser
indelicada, mas a vida inteira tentara ser diferente. Cabelos curtos tingidos
de vermelho vivo, lótus tatuada no ombro, tênis gasto e roupas inapropriadas
para o gosto feminista. Era professora de teatro, amava o diferente, o dinâmico,
a criatividade. Definitivamente aquela inspiração em forma de roupa digna de
uma fã da Rainha Vitória não cairia bem. Acendeu o cigarro, tragou fundo e
expirou lentamente. Era preciso decidir, faltava apenas uma hora para o
casamento e ainda não estava pronta. O Pai nervoso já a esperava na sala. Não
havia jeito, começou a se aprontar. Banho tomado, maquiagem feita, sapatos... E
lá continuava ele. Estático e contemplativo. Desafiador. De tantos dilemas que
já enfrentara este seria apenas mais um. Segurou-o como quem pega a primeira
camiseta da pilha e vestiu. Em frente ao espelho, olhou cuidadosamente a figura
que se tornara. Até que não estava mal. De uma maneira estranha sentiu-se
confortável. Não faria mal seguir o exemplo de três mulheres felizes com suas
escolhas. As razões que faziam vergonhosa seguir uma tradição ficaram tão
pequenas que caberiam dentro de uma das pérolas que usava. Respirou fundo e
saiu do quarto rumo ao grande dia. O pai chorou orgulhoso como esperado e
seguiram à caminho da igreja.
Tudo naquele cenário era um grande clichê. Das flores aos saquinhos
de arroz à serem jogados na saída. Segurou firme a mão do pai e caminhou para o
altar, teve seu momento. Todos a olhavam e comentavam entre si, provavelmente
elogiando a beleza da noiva. Mas a única coisa que lhe ocorria é que falavam do
maldito vestido! Deveria tê-lo devolvido à caixa e ao baú de onde jamais
deveria ter saído. Onde já se viu! Querer seguir o exemplo de três mulheres
submissas que jamais se realizaram fora do casamento. Foi entregue ao noivo.
Este extremamente pálido, tremia, suava. Provavelmente a roupa também lhe
afligia. O padre pronunciou a grande pergunta. Ela respondeu com um sonoro:
sim! A igreja se comovia. Quando perguntado, o noivo hesitou. Olhava para os lados
como se buscasse saída. O minuto mais longo da história humana. Eu...eu...sinto
muito! E correu o mais rápido que podia para longe dali, digno de um verdadeiro
Forrest Gump. Após 5 segundos de perplexidade, ela sabia. Nenhum insulto fica
sem punição. Nenhuma recusa seria perdoada. O passado cobra sua conta
impiedosamente. Não tinha dúvida, vestido agourento, jamais deveria ter cedido
aos apelos maternos. No dia seguinte, deu prioridade à cortar o mal pela raiz.
Devolveu o vestido à mãe, com a condição de que jamais se tocasse no
assunto.
Retomou a vida. Anos depois conheceu alguém, decidiu casar. Mas desta vez
pegou a primeira camiseta da pilha, o tênis gasto, subiu na garupa da moto do
noivo e foram ao cartório. Tudo dito e assinado, foram felizes pela vida. Moral
da história? Na verdade nenhuma. Apenas o fato de que vestidos de noiva me
deixam nervosa.
Lindo texto, adorei!
ResponderExcluirObrigada! continue nos visitando :)
ExcluirVestidos de noiva também me deixam nervosa.
ResponderExcluirIuska =)
é inevitável! :)
ExcluirMuito bom! Muito bom mesmo! Ah, e casei com um vestido bem diferente dos tradicionais...ui, me dá medo!
ResponderExcluirTambém prefiro modelos menos formais. Minha mãe casou com um vestido simples e rosa-choque, sempre simpatizei com ele =)
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